Nos últimos anos, a privacidade e proteção de dados pessoais tem se tornado um dos temas mais discutidos no Brasil, principalmente com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018. Mas agora, com a recente decisão do STF no âmbito do convênio nº 134 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que permite às secretarias da fazenda dos estados ter acesso a dados financeiros sensíveis de milhões de contribuintes, estão sendo levantadas muitas questões sobre o papel do Estado na proteção desses dados, e sobre como garantir que as informações dos cidadãos sejam devidamente resguardadas contra qualquer forma de abuso ou uso indevido.
A LGPD, como lei, nesse contexto, impõe uma série de obrigações que devem ser rigorosamente cumpridas por todos os órgãos e entidades que realizam o tratamento de dados pessoais no Brasil, incluindo as fazendas estaduais, e estabelece diretrizes claras sobre como os dados devem ser coletados, tratados e armazenados, com o objetivo de proteger os direitos dos titulares e garantir o uso ético dessas informações.
Transparência e finalidade: fundamentos da LGPD
Um dos pilares da LGPD é a transparência no tratamento de dados. Isso significa que, ao compartilhar informações com as secretarias da fazenda, as instituições financeiras precisam estar completamente alinhadas com os princípios da finalidade específica e legítima. No contexto tributário, o sigilo bancário e os dados financeiros dos contribuintes devem ser utilizados exclusivamente para fins de fiscalização e arrecadação de impostos, sem desvios de finalidade que possam comprometer a privacidade dos titulares.
Além disso, a LGPD garante aos cidadãos o direito de saber quais dados estão sendo coletados e tratados pelo Estado. O titular dos dados pode, a qualquer momento, solicitar acesso às suas informações, assim como a correção de eventuais inconsistências. Essa prerrogativa fortalece a posição do contribuinte diante do Estado, promovendo uma relação de maior confiança e transparência entre as partes.
Para Stella Moino, Coordenadora de Operações do escritório fiscal e legal Contabilidade Internacional, “As fazendas estaduais têm o dever de garantir que todos os processos de tratamento das informações financeiras dos contribuintes sigam as diretrizes da LGPD. Essa lei, criada pelo próprio Governo, existe para coibir o uso de informações sensíveis de maneira equivocada ou irregular.”
Segundo a executiva, para mitigar riscos, é essencial que as secretarias adotem medidas de segurança robustas, como a implementação de sistemas de criptografia, políticas de governança de dados e a capacitação de seus funcionários em relação às melhores práticas de proteção de informações. Apenas com a implementação de processos adequados, os governos estaduais conseguirão detectar e impedir possíveis tentativas de vazamento ou uso inadequado dos dados financeiros dos contribuintes.
Fiscalização e sanções: o poder da LGPD em ação
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por fiscalizar o cumprimento da LGPD, tem um papel essencial na garantia de que os órgãos públicos e privados estejam em conformidade com as normas estabelecidas. No caso das secretarias da fazenda, qualquer violação da LGPD deverá ser rigorosamente investigada e, se necessário, punida de acordo com a gravidade da infração.
No escopo da LGPD, vale destacar que as sanções aplicáveis não se limitam apenas a multas financeiras. Dependendo da violação, as secretarias podem ser obrigadas a interromper o tratamento dos dados, deletar informações indevidamente coletadas ou até mesmo responder judicialmente por eventuais danos causados aos titulares dos dados.
Essas medidas têm o objetivo de garantir que não apenas a população, mas também o Estado atue de forma responsável e transparente, assegurando que o acesso a dados sensíveis seja conduzido de acordo com os princípios éticos e legais estabelecidos pela LGPD.
Nesse contexto, Stella pontua: “O Legislativo criou uma lei que obriga a sociedade a manusear informações sensíveis com rigor e responsabilidade. Paradoxalmente, o Judiciário concedeu às secretarias estaduais da fazenda acesso irrestrito a todos os dados financeiros dos contribuintes. Esses fatos levantam um debate justo, e questiona se o Estado acredita que as exceções confirmam a regra, ou se os fins, de fato, justificam os meios. Faz surgir a interrogação: será que a administração fazendária se considera isenta das mesmas obrigações legais impostas ao cidadão comum?”
O futuro da proteção de dados no país
Segundo a executiva, à medida que as discussões sobre privacidade, sigilo bancário e proteção de dados ganham força, torna-se cada vez mais evidente a importância de um diálogo contínuo entre os órgãos públicos, as empresas e a sociedade. E nesse âmbito, o sucesso da LGPD depende não apenas da fiscalização e aplicação de sanções, mas também de uma mudança cultural, onde o respeito à privacidade dos indivíduos seja tratado como prioridade máxima em todas as esferas.
A digitalização dos processos tributários e o acesso a dados financeiros sensíveis não podem comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos. Cabe ao Estado, em todas as suas esferas, garantir que a privacidade e a proteção de dados sejam respeitadas em cada etapa do tratamento de informações, promovendo uma governança eficiente e responsável.
E para os contribuintes, a LGPD representa uma ferramenta poderosa na defesa de seus direitos, possibilitando maior controle sobre suas informações pessoais e financeiras. Já para o Estado, a lei impõe o desafio de conciliar a necessidade de fiscalização tributária com o dever de proteger a privacidade dos cidadãos, assegurando que o tratamento de dados seja conduzido de forma ética, segura e transparente.
Agora, o futuro da privacidade e do sigilo bancário no Brasil depende, em grande parte, do compromisso do Estado com a proteção dos dados pessoais, e curiosamente, é a LGPD quem fornece as diretrizes necessárias para que esse compromisso seja cumprido.
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