Situação de trabalhadores de apps levanta debate jurídico

O celular começa a tocar e o motorista vai buscar um passageiro. Chega a notificação de um pedido e o entregador se desloca até o restaurante. Já faz anos que cenas como essas se tornaram comuns nas cidades ‒ segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, o país tinha aproximadamente 1,5 milhão de pessoas trabalhando em aplicativos de serviços.

Identificados pelo IBGE como “trabalhadores plataformizados”, esses indivíduos atuam, em sua maioria, em aplicativos de transporte particular de passageiros (47,2%) ou de entregas de comidas e produtos (39,5%).

No quarto trimestre de 2022, o rendimento médio dos plataformizados alcançava R$ 2.645, com os maiores ganhos sendo auferidos no Sul. Nessa região, o valor identificado foi de R$ 3.263. 

“As plataformas digitais de trabalho permitem aproximar demanda e oferta de serviços, virtuais ou não. A expansão desse modelo, que usualmente classifica prestadores de serviços como autônomos, é um fenômeno mundial”, afirma a advogada Marcela Carvalho Bocayuva, sócia-fundadora do escritório Bocayuva & Advogados Associados e coordenadora da Escola Nacional da Magistratura.

Ela explica que, à semelhança de outros países, existe no Brasil uma dificuldade no enquadramento judicial desses trabalhadores. Segundo Bocayuva, a legislação trabalhista foi criada com base no modelo de trabalhador da Revolução Industrial. Ou seja, profissionais com jornadas bem definidas, vínculo empregatício claro e local de trabalho específico, aspectos que não se aplicam facilmente à realidade das plataformas.

“O tema é objeto de significativa controvérsia jurisprudencial. No Tribunal Superior do Trabalho, o cerne da discussão envolve o enquadramento ou não desses trabalhadores no conceito legal de empregado”, afirma Bocayuva. “No Supremo Tribunal Federal, examinam-se também os princípios constitucionais da livre iniciativa, legalidade, livre exercício de trabalho e livre concorrência”, acrescenta. 

A advogada lembra que, em 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso um projeto de lei classificando motoristas de aplicativos como “trabalhadores autônomos de plataforma”, mas assegurando diversos direitos típicos de empregados. Entre eles, estão a jornada de trabalho de oito horas diárias (podendo chegar a 12 se houver acordo coletivo), salário mínimo por hora de trabalho, remuneração mensal mínima e garantias previdenciárias.

Bocayuva pondera que, no entanto, ainda há muitos desafios legais e trabalhistas pela frente. “Estabelecer definições gerais e abstratas sobre o tema não é tarefa simples, tanto no âmbito judicial quanto no legislativo. Um enquadramento amplo desses trabalhadores como empregados pode gerar conflitos com situações em que, historicamente, se reconhece a natureza autônoma do trabalho”, diz.

“Por outro lado, categorizá-los como autônomos ou em uma terceira categoria pode criar vantagens estratégicas para o setor, que nem sempre se justificam de maneira uniforme. Portanto, é essencial considerar as especificidades de cada caso para evitar generalizações que possam gerar injustiças ou distorções no tratamento dessas relações de trabalho”, finaliza.

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