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Cidade da região conta a pré-história do Paraná em pinturas rupestres

“A cena principal representa três animais caminhando em fila, o maior deles entre os dois menores. Trata-se, sem dúvida, de uma corça e dois filhotes, como indicam as grandes orelhas e as caudas curtas. Os animais se dirigem para dois signos gradeados igualmente pintados em vermelho, parcialmente superpostos e divididos cada um em três compartimentos. O pequeno filhote que se encontra em primeiro lugar desta fila penetrou completamente no primeiro desses signos”.

É assim que o casal de arqueólogos franceses Annette Laming e Joseph Emperaire descreveu, em artigo publicado em 1956 no Journal de la Société des américaniste, as pinturas visitadas por eles no mesmo ano no chamado Abrigo das Cavernas, uma cavidade incrustrada dentro da Escarpa Devoniana, no município de Piraí do Sul, nos Campos Gerais.

O desenho pintado com tinta vermelha a cerca de dois metros do chão é uma espécie de certidão de nascimento da habitação humana no Paraná. “São as primeiras pinturas rupestres identificadas e estudadas sistematicamente em território paranaense e que tiveram ampla repercussão internacional”, explica a arqueóloga e pesquisadora do Museu Paranaense, Cláudia Parellada.

Em 1956, Joseph e Annette já eram uma referência internacional no estudo de arqueologia. Desde 1955, eles vinham se dedicando a pesquisas com sambaquis em todo Sul do Brasil, em um processo de cooperação entre instituições francesas e brasileiras. Até então, as pinturas de Piraí do Sul estavam fora do radar do casal e de toda comunidade científica.

A situação começou a mudar graças a um morador local, Theófilo Pinto Ribeiro, proprietário de terras na região. Ele viu algo de familiar nas fotografias de uma reportagem da edição de janeiro de 1956 da revista Cruzeiro. A matéria tratava das pesquisas do naturalista dinamarquês Peter Lund, realizadas em Minas Gerais no final do século XIV. As fotos de pinturas nas paredes eram tratadas como arte rupestre e lembravam muito algumas pinturas presentes em partes da fazenda do própria Theófilo.

Intrigado, o produtor rural levou o assunto à prefeitura. Inicialmente, formou-se uma comitiva para visitar o abrigo, com a presença de promotor público, padre e contador. A expedição resultou em matéria publicada no jornal curitibano O Dia, mas ficou claro que era preciso colocar especialistas em contato com a pintura.

“A prefeitura também entendeu que aquilo precisava ser explorado e entrou em contato com o Museu Paranaense”, diz a historiadora Cinara de Souza Gomes, sobrinha-neta de Theófilo e autora do livro “As Representações Geométricas e Zoomorfas da Tradição Planalto. A Arte nos Campos Gerais”, publicado pela Secretaria de Cultura em 2011.

A direção do Museu contatou então Anette e Joseph e destacou Oldemar Blasi como representante da sua Divisão de Arqueologia para acompanhá-los. Os arqueólogos fariam o devido reconhecimentos das pinturas com a publicação subsequente do artigo na revista francesa.

O casal não retornaria mais a Piraí do Sul. Joseph morreria em 1958, na Patagônia, soterrado em um sítio arqueológico no qual trabalhava. Annette continuaria a trabalhar no Brasil. Na década de 70 ela liderou a equipe que encontrou os restos do esqueleto de uma mulher de cerca de vinte anos em uma gruta do município mineiro de Lagoa Santa. O fóssil recebeu o apelido de “Luzia” e é o mais antigo já encontrado na América do Sul, tendo entre 12.500 e 13 mil anos de idade. Annette viria a falecer em Curitiba, em 1977.

PARADA OBRIGATÓRIA  Depois do batismo dos franceses, Piraí do Sul se tornaria presença obrigatória para o estudo da arqueologia do Paraná. Blasi voltaria a Piraí do Sul em 1963, 64 e 66. As missões oficiais teriam o apoio financeiro do Governo do Estado, por meio da Fundepar. Nas viagens, novas pinturas e indicativos da presença humana iam sendo encontrados. Na década de 70, Blasi ampliou as pesquisas para municípios próximos como Sengés, Jaguariaíva e Ventania.

A partir da década de 90, uma nova geração de pesquisadores do Museu Paranaense e das universidades estaduais passou a trabalhar na região.

Cláudia, por exemplo, identificou, entre 1992 e 1993, um grande conjunto de pinturas rupestres nas Cavernas do Morro Azul, em Ventania. Em 1992, também iniciou a documentação do chamado Abrigo São José da Lagoa II, em Piraí. Na época, devido às chuvas e à falta de um equipamento fotográfico de maior qualidade, o trabalho ficou incompleto. Em 2014, com equipamento mais apropriado, ela voltou ao local e identificou uma representação bastante rara no Estado: figuras humanas em movimento, possivelmente em uma dança ritual.

Em fevereiro do ano passado, pesquisadores do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (Gupe), que reúne professores da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), publicaram um estudo sobre pinturas de araucária. Foi a primeira vez que pesquisadores encontraram a representação da árvore, símbolo do Paraná, registrada como pintura rupestre.

Ao todo, foram identificadas representações de 13 araucárias e 20 antropomorfos (que são representações humanas). Pelo alto grau de detalhes das pinturas, o Grupo identificou que o painel pode ter sido elaborado pelos povos originários Macro-Jê, antepassados de comunidades indígenas presentes atualmente no Sul do Brasil, como os Kaingang e Xoclengues.

O Gupe segue coletando e mapeando registros arqueológicos. A publicação mais recente envolve um estudo de 52 sítios arqueológicos da Escarpa Devoniana em Ponta Grossa, em que foram inventariados um total de 277 painéis com 1.212 figuras pintadas por povos originários que habitaram a região há centenas de anos. O trabalho também descobriu 27 novos sítios arqueológicos e 12 oficinas líticas, que são locais onde as populações fabricavam artefatos. Os resultados servirão de base para o desenvolvimento de pesquisas mais detalhadas nos próximos anos.

Foto: Valdelino Pontes/SECID
Foto: Valdelino Pontes/SECID
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