O projeto (PL 2.687/2022), que teve origem na Câmara dos Deputados, prevê a inclusão do diabetes tipo 1 no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Dessa forma, as pessoas diagnosticadas com a doença teriam os mesmos direitos legais previstos nesse estatuto.
O relator da matéria no âmbito da CAS é o senador Alessandro Vieira (MDB-SE). Foi ele quem solicitou os dois debates sobre o assunto — tanto o desta quinta-feira como o anterior, realizado na terça-feira (3). O senador defende a aprovação da proposta.
Durante a audiêndia pública desta quinta-feira, Alessandro Vieira reconheceu que existe “uma confusão” pelo fato de o diabetes tipo 1 “ser uma doença invisível”. O relator também admitiu que há “preocupação muito clara” com os eventuais impactos financeiros da aprovação dessa iniciativa. Mas ele afirmou que “o projeto cuida disso, e a moderna interpretação do que é uma pessoa com deficiência cuida disso, na medida em que exige uma avaliação biopsicossocial para que a gente tenha esse avanço”.
— A legislação que está sendo debatida aqui é uma legislação sóbria. Ela não tem nenhum tipo de excesso, favor ou abuso de direito; ela não exclui ou atrapalha o atendimento a outros grupos que também são vulneráveis. E eu tenho certeza de que ela vai servir como referência a todos nós — argumentou.
No debate desta quinta-feira, o advogado Pedro Ottoni destacou que o PL 2.687/2022 trata especificamente da diabetes mellitus tipo 1. Ele ressaltou ainda que a classificação dessa doença como deficiência já e uma realidade em muitos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Austrália e grande parte da União Europeia.
— Esse projeto não é uma invenção brasileira; pelo contrário, é invenção brasileira não considerar todos esses países que são signatários da mesma convenção internacional sobre direitos da pessoa com deficiência. Só o Brasil está isolado e reluta contra esse entendimento. O Brasil vive a contradição de ter leis modernas, reconhecidas mundialmente, mas que não são implementadas e não conseguem atingir seus objetivos. A consequência é que pessoas que de fato possuem uma deficiência ficam desamparadas e longe uma integração real na sociedade.
Ottoni disse esperar que, com a aprovação do projeto de lei, essa situação possa ser resolvida ou, pelo menos, amenizada.
— Afinal, as barreiras de longo prazo [provocadas pelo diabetes do tipo 1] existem e obstruem a plena e efetiva participação na sociedade, só que não são aparentes como o são em outras deficiências. Mas isso não quer dizer que elas não existam. E isso não deveria ser um problema; não se trata de uma competição, e sim uma luta pela dignidade e pela igualdade de oportunidades, em especial para crianças que são impedidas de se matricular em escolas; para pessoas que são discriminadas e enfrentam diariamente o peso de uma condição que exige atenção constante, disciplina e resiliência; para pais, mães e familiares que sacrificam suas vidas para buscar uma condição melhor para seus filhos. Para pacientes que são subjugados e impedidos de acessar um tratamento básico, para manutenção de suas vidas, como se estivessem pedindo demais.
Ottoni esclareceu ainda que, ao contrário do diabetes mellitus tipo 1 (que é uma doença crônica e autoimune), o diabetes tipo 2, que não é contemplado no projeto, é uma doença metabólica, caracterizada pela resistência à insulina, o que dificulta a absorção da glicose, fazendo com que a glicemia do paciente no sangue aumente. Essa condição — provocada pelo diabetes tipo 2 — decorre normalmente de fatores genéticos, excesso de peso, estilo de vida sedentário e uma dieta desregrada. Mudanças no estilo de vida podem prevenir ou reverter o quadro provocado pelo diabetes tipo 2, frisou o advogado
Antes de iniciar sua exposição, a advogada e nutricionista Ana Carolina Torelly exibiu um vídeo em que a estudante de medicina Maria Eduarda Dantas, portadora de diabetes tipo 1, expõe os desafios e a realidade de quem tem a doença, além de defender a aprovação do PL 2.687/2022.
“Reconhecer a diabetes tipo 1 como deficiência não é um pedido de privilégios. É um pedido de equidade para que nossa realidade seja enxergada e nossas necessidades especiais sejam atendidas”, declara Maria Eduarda Dantas em seu vídeo.
Ana Carolina Torelly, por sua vez, tem um filho com a doença.
— Eu tenho como primeira formação o direito, mas hoje sou nutricionista, profissão que entrou na minha vida após o diagnóstico de diabetes tipo 1 do meu filho Rafael, quando ele tinha doze meses de vida. O diabetes [tipo 1] é assim: ele entra na nossa vida e muda tudo, profissão, amigos, família, vida social, e logo a gente entende que precisa se adaptar para viver cada momento de nossa vida agora com o diabetes.
Assim como todas as famílias que recebem o diagnóstico, a minha foi muito impactada. Tivemos de mudar completamente a nossa rotina, e isso inclui aplicar sete, oito injeções de insulina no meu filho, na época um bebê [quando foi diagnosticado], além de exigir o furo nos pequenos dedinhos de um bebê mais de 12 vezes ao dia. E temos de monitorar a glicemia 24 horas por dia, inclusive de madrugada. Não há uma noite de sono em que um pai ou uma mãe de uma criança com diabetes não precise acordar para verificar se seu filho está vivo ou para aplicar insulina.
Só quem vive a realidade do diabetes tipo 1 entende como é a vida de quem precisa lidar com uma doença que não te deixa esquecer dela um minuto sequer. Precisamos nos programar para as mínimas coisas, coisas nas quais as pessoas sem diabetes nem pensam, como comer, dormir, dirigir, estudar. O diagnóstico de diabetes tipo 1 não tem nada a ver com consumo de açúcar, falta de atividade física ou estilo de vida, e esse é um estigma que nos fere e que a gente luta muito para combater — ressaltou a nutricionista.
Coordenadora de advocacy da ADJ Diabetes Brasil, Lúcia Xavier reiterou que a diabetes tipo 1 gera limitações significativas na vida cotidiana dos portadores da doença.
— Embora não seja uma doença visível, ela impõe desafios diários, e as consequências de um mau tratamento ou de uma negligência nos recursos para tratamento pode resultar em complicações graves, como cegueira, insuficiência renal, doenças cardíacas e danos aos nervos, além de afetar a qualidade de vida e a capacidade de realizar tarefas diárias cotidianas.
A deficiência não é uma questão de capacidade, mas de participação da sociedade. Não é apenas uma condição médica, mas sim uma condição e uma questão de como essa condição interage com as barreiras sociais e ambientais. A deficiência é uma questão de direito; é garantir o reconhecimento da diabetes tipo 1 como deficiência. Isso garantiria prioridade no atendimento público, acesso facilitado a medicamentos e tratamentos gratuitos, direitos relacionados à educação, ao trabalho, o direito à vida — declarou ela.
Presidente do Instituto Diabetes Brasil, Jaqueline Correia defendeu o projeto e observou que o diabetes tipo 1 exige atitudes diárias dos pacientes e de seus familiares.
— Em 2024, somos 600 mil pessoas com diabetes. Nós tivemos uma perda, por falta de políticas públicas e de assistência, de 234 mil pessoas. Uma a cada nove crianças morre por falta de diagnóstico oportuno. A expectativa de vida da pessoa, se for diagnosticada a partir dos dez anos, cai para 55 anos, em vez de 76 anos. Esses são dados trágicos — lamentou.
Em resposta a Sabrina Santana, presidente da Federação Brasileira Desportiva dos Surdos (FBDS), que se expressou por meio da linguagem de sinais durante o debate, Alessandro Vieira explicou que somente o diabetes tipo 1 está incluído no PL 2.687/2022. O senador reiterou que a proposição não contempla outras manifestações de diabetes.
Representante da Associação dos Ostomizados do Distrito Federal, Ana Paula Batista Soledade disse que o Estado deve ter um olhar singular para as especificidades do ser humano, seja na garantia de uma política pública eficaz ou na implementação via instrumento legal de direitos de subsistência. Ela observou, porém, que o projeto de lei condiciona a classificação à criação de um instrumento para avaliação da deficiência, conhecido como avaliação biopsicossocial — instrumento que, segundo ela, pode limitar o acesso do cidadão ao direito pretendido.
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