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Desembargador do TRF4 e magistrados da Justiça Federal visitam Fazenda Capão Alto, em Castro

Berço dos Campos Gerais, a Fazenda Capão Alto, em Castro (PR), cumpre um papel de grande relevância na História do Paraná. Em 320 anos, do império à república, em períodos de auge e de decadência, o patrimônio agora tombado pelo Governo Estadual foi palco de acontecimentos marcantes também na trajetória sociopolítica do Estado. Um deles é contado nas folhas amareladas do primeiro processo judicial do Paraná. O auto de 1865, preservado na Sala da Memória da Justiça Federal em Curitiba, trata de uma cobrança de impostos que uma empresa de São Paulo devia ao fisco da Província do Paraná. O tributo foi gerado quando os empresários paulistas arrendaram as terras dos padres Carmelitas e levaram embora os negros escravizados da fazenda.

Na programação que celebra os 25 anos da Subseção da Justiça Federal em Ponta Grossa, magistrados visitaram nesta sexta-feira (21) pela manhã o casarão sede da Fazenda Capão Alto para conhecer de perto o lugar que serve de pano de fundo para o documento histórico da Justiça.

O presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, liderou a comitiva e destacou a relevância da preservação do local. “A Fazenda Capão Alto tem uma importância histórica muito grande para a História do Paraná e do Brasil. Essa fazenda representa toda a integração da região Sul, pois por aqui passava o caminho de Viamão a Sorocaba”, disse o desembargador.

Acompanharam a comitiva também a diretora do Foro da Seção Judiciária do Paraná, juíza federal Luciana da Veiga Oliveira, e o diretor do Foro da Subseção Judiciária de Ponta Grossa, juiz federal Antonio César Bochenek.

Os magistrados foram recebidos pelos diretores do Grupo Koelpe, Koob e Elizete Petter, responsáveis pela administração da fazenda, com um almoço campeiro no quintal do casarão, que incluiu feijão tropeiro e churrasco em espeto de pau. “Estamos muito felizes com a visita dos juízes e espero que isso traga frutos, não para nós administradores, mas para o patrimônio. Precisamos de ideias e sugestões de como fazer para manter esse patrimônio por mais 500 anos. Nós cidadãos brasileiros não podemos perder isso aqui”, afirmou Koob.

Negros que viviam em liberdade na Fazenda foram rendidos e novamente escravizados

As 81 folhas de papel almaço do primeiro processo judicial do Paraná, em boa parte manuscritas com caligrafia caprichada, revelam mais do que uma simples cobrança de tributos, detalham uma passagem comovente e inusitada na História da escravidão no Brasil que aconteceu justamente dentro da Capão Alto: a resistência e depois a dramática rendição dos negros que já viviam há quase um século em relativa liberdade no local.

Segundo a pesquisadora Lea Cardoso Villela, em 1771 os padres carmelitas, donos da Capão Alto, tiveram que voltar às pressas para os conventos no interior de São Paulo e deixaram para trás seu gado e até seus escravizados. Um negro chamado Inocêncio teria ficado responsável por gerir a fazenda e enviar para os conventos a produção agropastoril. “Durante quase um século, os negros da Capão Alto viveram em condição de quase total liberdade, sem um capataz e, ao que tudo indica, livres das torturas que eram comuns naquela época”, comenta a pesquisadora.

Mas, em 1864, a trajetória dos negros da Capão Alto e da Justiça Federal no Paraná se entrelaça, porque uma casa de comércio paulista, a Gavião Ribeiro & Gavião arrendou as terras dos Carmelitas com a única intenção de levar embora para São Paulo os escravizados da fazenda: a transação virou alvo do primeiro processo judicial da Província.

“Estima-se que havia quase 300 negros vivendo na fazenda, sob a guarda de Nossa Senhora do Carmo, de quem eram muito devotos. Toda semana, eles pediam à Sinhara que elegesse um líder na comunidade. Era esse líder quem fazia a gestão dos bens, da produção e até dos conflitos”, relata Lea.

Nova escravização

Depois que a importação de africanos cativos foi proibida pela lei Eusébio de Queiroz, em 1850, com a escassez da mão de obra que vinha da África, os barões começaram a capturar escravizados dentro do próprio país. Esse movimento interno ficou conhecido como tráfico interprovincial e afetou diretamente a comunidade de negros livres da Capão Alto.

Durante a intervenção da empresa Gavião Ribeiro & Gavião na Capão Alto, ao todo, 236 negros foram realocados do Paraná para o interior de São Paulo, conforme indica a ação judicial. “Encontramos essa pérola histórica que ficou sob a guarda da Justiça Federal no Paraná e hoje é preservada e exposta na Sala da Memória”, indica Dulcinéia Tridapalli, funcionária da Justiça Federal em Curitiba. “A questão ali não eram Direitos Humanos, era um Direito Tributário sobre peças, sobre produtos, como os escravizados eram tratados na época”, pontua, destacando outras informações que estão escritas no processo. “Provavelmente eles foram levados a pé para São Paulo. A gente descobriu também que houve uma revolta na saída desses escravos, não foi uma coisa pacífica”.

Para a funcionária da JF, as informações da ação trazem agora uma certa humanidade para aqueles seres humanos que eram considerados mercadoria, pois há até uma relação com nomes e idades de todos os negros. “Ele revela vários detalhes sobre a operação de retirada dessas pessoas, que possivelmente foram removidas a pé para São Paulo”, diz ela. Na ação é possível saber que os escravizados foram levados para o trabalho forçado em plantações de café e na construção de ferrovias.

O processo tramitou no Juízo dos Feitos da Fazenda Provincial do Paraná, no Juízo dos Feitos da Fazenda Provincial de São Paulo, ficou sob guarda do Arquivo Público do Paraná e posteriormente foi requerido pela Justiça Federal do Paraná. De acordo com Dulcinéia, a Justiça Federal ainda não existia no Paraná em 1856, ela só foi instituída na década de 1890, mas a ação chegou a ser julgada na instância superior e a empresa foi condenada a pagar 11 contos e oitocentos mil réis em impostos. “Mas não sabemos se a empresa de fato pagou ou não”, diz.

“Esse processo coloca em relevo essa realidade que a gente espera que jamais aconteça formalmente. A gente sabe que em 1888 a lei formalizou a liberdade dos escravos, mas que não é uma liberdade plena até hoje. É uma coisa que a gente tem que refletir porque há outras formas de escravização que ainda acontecem”, finaliza.

Leia mais: Tibagi se prepara para a Festa de Ação de Graças pela Colheita; inscrições para concurso estão abertas

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