O dia era quente no bafo que vinha do asfalto, da tarde sem brisa, do ânimo sem vontade. No ponto de ônibus nos batíamos na espera pelos veículos que haveriam de vir.
Ele chegou. Não o ônibus, mas sim o homem intrigante e indiferente. Sacou do bolso uma garrafa de água mineral. Tirou o calçado libertando os pés nus sobre a calçada. Deitou sobre os pés a garrafa e deixou a água escoar. Refrescar a quem? Os pés, o homem, seu humor, o torpor pelo calor? E a cena se prolongava nos pés molhados, que se banhavam deliciosamente.
O calor secava rapidamente os pés afoitos que novamente eram molhados. O ponto de ônibus fazia de conta que não reparava na cena, contudo não perdia um detalhe daquele festival aquático minimalista. E novos goles aos pés sedentos seguidos da secagem ao bafo quente do asfalto e da calçada. Até que a garrafa chegou ao fim. Eu também no fim da linha no ônibus que acabou de chegar. Segui com o pescoço voltado para o homem com pés refrescados.
Autoria: Renata Regis Florisbelo
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