Em junho, o Senado aprovou um projeto de lei que determina que todas as cidades do Brasil tenham um planejamento de ajuste às mudanças climáticas, com medidas integradas para mitigar seus impactos. O projeto, que ainda garante prioridade de adaptação para áreas que se encontram em situação de vulnerabilidade, ganhou força depois das fortes chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul. E nesse processo existe uma peça pouco falada, mas de extrema importância para a construção de cidades mais resilientes: a arquitetura paisagística.
Mais do que embelezamento e melhoria da qualidade visual das cidades, parques, praças e jardins fazem parte da infraestrutura urbana para mitigar o impacto das mudanças climáticas que causam enchentes, ilhas de calor e escassez de água. Por isso, é necessário que sejam incluídas diretrizes claras de um urbanismo que incorpore as áreas verdes de forma estrutural, e não acessória, na legislação urbana municipal, a chamada infraestrutura verde. Exemplos disso são os bairros ecológicos, que são caracterizados por um comércio diversificado, áreas cívicas e espaços públicos verdes conectados por um sistema viário, uso diversificado do solo, percursos adequados para ciclistas e pedestres e uso de lotes vazios e subutilizados como novas âncoras da infraestrutura.
Patricia Akinaga, arquiteta paisagista e urbanista e doutora em paisagem e ambiente, explica que o projeto inteligente e sustentável em espaços verdes urbanos pode transformar as cidades em sistemas vivos de resiliência climática. “A arquitetura paisagística vai além da estética. Ela se baseia em princípios ecológicos que permitem gerenciar a água de forma eficiente, reduzir as temperaturas urbanas e criar habitats biodiversos”, afirma.
Para ela, o planejamento de adaptação às mudanças climáticas precisa ser visto sob a luz do urbanismo ecológico, que considera a natureza como elemento estruturador da cidade. “O desenho urbano precisa ser pautado pelas potencialidades e limitações dos recursos naturais, conciliando a ocupação urbana e a natureza através de ferramentas como implantação de infraestrutura verde, hortas comunitárias, jardins de chuva (que são canteiros para drenagem natural), plantio massivo de árvores… Ou seja, as áreas verdes precisam ser vistas como artefatos de engenharia, que têm potencial inclusive de amortecimento, retenção e tratamento de águas pluviais”, destaca.
Hoje, muitas cidades têm como modelo de drenagem padrão as superfícies impermeáveis, que escoam a água até os rios ou canais. Como consequência da ausência de permeabilidade, aumento da velocidade do fluxo, e grandes volumes em tempo reduzido, a água acaba acumulando e transbordando, causando alagamentos.
A profissional destaca o papel do arquiteto urbanista e paisagista como chave na configuração desses projetos, buscando sempre alinhar os interesses da população, da iniciativa privada e do poder público. “É necessário repensar o desenho urbano e retomar os cursos d’água como elementos estruturadores do tecido da cidade, juntamente com as áreas verdes. O pacto entre os diversos segmentos da sociedade é fundamental para que os ditos projetos verdes sejam mais do que instrumentos de propaganda, já que, isolados, eles não promovem a transformação necessária para a criação de cidades verdadeiramente resilientes”.
Como exemplos bem-sucedidos, Akinaga cita os jardins de chuva das cidades norte-americanas de Portland e Seattle, bem como suas hortas comunitárias; os Corredores Verdes na Colômbia, que arborizaram as rotas de 18 ruas e 12 hidrovias, reduzindo o efeito de ilha de calor; e o projeto de reuso da água e alagados construídos do Parque Estadual Jequitibá, que preserva mais de um milhão de metros quadrados de Mata Atlântica.
“Não podemos nos deixar seduzir por uma ideia de sustentabilidade, ela precisa realmente existir na prática e ser acessível a todos . Obras caras com finalidade comercial antes de ambiental – o chamado greenwashing – só servem para satisfazer uma ambição pontual de investir em tecnologia e projetos verdes, sem representar uma abordagem verdadeiramente aplicável em escala e como sistema”, finaliza.
Sobre o escritório
A Patricia Akinaga é uma empresa com escritórios em São Paulo e Salvador, que atua com projetos nacionais e internacionais de arquitetura paisagística, urbanismo ecológico e planejamento ambiental.
Fundado em 2005, o escritório já conquistou diversos prêmios e tem ampla experiência com planejamentos de pequeno à grande porte, em diversas tipologias do setor público e privado. Já assinou grandes projetos como a revitalização e restauração do jardim histórico do Museu Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, o Parque Estadual Jequitibá, no estado de São Paulo, e o paisagismo do Bosque Oswaldo Cruz, em São Luiz do Paraitinga.
Seu principal objetivo é contribuir para a construção de cidades mais justas, resilientes e sensíveis às diferenças. Ao longo de quase 20 anos, foram mais de 14 milhões de m² de áreas projetadas, mais de 105 mil árvores plantadas, projetos desenvolvidos em 84 cidades e cerca de 12 milhões de m² de paisagens restauradas.