Todo dia olho para tuas roupas rotas como se elas não falassem da vida que passa,
que por ti passa, que de nós leva tanto embora, às vezes sedimenta o pranto. Tuas
camisetas estão cada dia mais surradas, algumas carcomidas eu já escondi, não
quero que elas se revoltem e venham corroer de preocupações quem as usa. As
calças também são rotas, tanto quanto minha preocupação em me sustentar de pé.
Às vezes, a tormenta das coisas nos fustiga em açoites do que deveria acontecer, deveria
ter acontecido, deveria ter sido provido, mas que no gesto não rendeu. Nem sempre a
vida rende, feito um sabão em barra que desliza pela roupa e satura na espuma. Meus
destemperos saturam em temer que as rudezas nos castiguem por demais e roubem a
doçura do mel que deveria ser saboreado.
Às vezes, olho para tuas roupas que continuam rotas, meias, camisas, blusões. Os
blusões são os mais maltratados e com o tempo soltam e esgaçam suas fibras, e elas
não têm mais garra para lutar. Temo olhar para tuas roupas daqui a vinte anos e
encontrá-las irremediavelmente rotas. Elas? Não. Minha inquietação faz tudo ficar roto.
Você, no fundo, é quem me salva e me desamassa a interrogação.
Autoria: Renata Regis Florisbelo
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