Há quarenta anos, que ficaram lá num passado acrisolado em meu peito, jamais
esqueci você, provavelmente a figura mais emblemática de toda uma existência.
Você que habitava a porta (portal) do bar da esquina em frente à praça da antiga rodoviária, quando a cidade era pequena, quando eu era pequena (adolescente), quando o
ônibus atravessava a cidade e naquele ponto predominavam os estudantes.
O motorista a tolerar e brincar com os estudantes. E eu mirava naquela porta só para ver
você: sóbrio, sisudo, olhar absorto, mergulhado num abismo por meio do absinto.
Raramente você olhava para o ônibus que se demorava naquele ponto. Meu coração
na alegria em ver você e nunca tive coragem de contar a alguém que amei um homem
que era quase um vaso plantado à porta de uma lanchonete.
Nunca soube quem você era, sequer teu nome, mas amei você como um desconhecido merece ser amado, esperado, de uma parada num ponto de ônibus admirado. Cabelos compridos, calça jeans, a figura que parecia ocupar todo o portal da porta. Pronto, agora falei, agora confessei sobre o desconhecido por quem me apaixonei, com quem nunca uma única palavra troquei.
A rodoviária há décadas mudou de lá, o bar não existe mais, o ponto de ônibus sim. Continuo sem saber nada sobre ele. Talvez eu ainda o ame e meu coração o proclame como um amor sem fim.
Autoria: Renata Regis Florisbelo
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