No universo gastronômico, há mais do que simples alimentos; há memórias, afetos e histórias. Inspirada por essa perspectiva, o projeto “Comer e brincar na escola”, promovido pelo Instituto Avisa Lá em parceria com a Fundação Cargill, resgata as “comidas de alma” de participantes que editam livros sobre o tema.
Uma dessas autoras é Joceléa Soares, professora de Educação Infantil em Ponta Grossa. Mesmo após o término oficial da edição 2021/22, o município decidiu continuar o projeto em 2023, assumindo a formação de forma autônoma.”Em agosto deste ano o projeto foi retomado com a creche, o meu papel era auxiliar a professora corregente quando ela aplicava o projeto com as crianças da turma. Auxiliava fazendo receita e também na questão do self servisse”, Joceléa explica a sua participação.
“O texto surgiu quando a direção pediu para a gente escrever sobre a ‘comida da alma’ para depois ser feito um livro, os pais também participariam. Assim surgiu a ideia do texto, como gosto de escrever coloquei minha alma no texto. Um jeito de homenagear a minha mãe que já é falecida, fui bem obediente com a tarefa”, completa.
A professora finalizou contando ao BnT como chegou a tamanha repercussão. “Resolvi de publicar no facebook e teve muitas visualizações, comentário, não achei que ia repercutir do jeito que aconteceu. Uma professora do Avisa Lá entrou em contato comigo e pediu autorização para estar divulgando no site deles e claro que autorizei”, finaliza.
Joceléa, que participou da iniciativa, compartilhou sua experiência através de uma emocionante memória intitulada “Comida da Alma”. Confira abaixo:
“Num belo dia, na escola em que eu trabalho, a equipe gestora veio com um papo de querer saber qual era a nossa comida da alma…
Na hora vieram muitas comidas que marcaram a minha alma… desde o pirulito de chupeta açucarada que eu comprava na cantina da escola na 3 série, que até hoje me lembro com água na boca, mesmo sabendo que não passa de um açúcar caramelizado fajuto…rs. Outra comida que me faz salivar, são goiabas, ah… elas me fazem lembrar da melhor parte da minha infância onde eu, com minhas melhores amigas, ficávamos as tardes inteiras encima do pé de goiaba da vizinha e comíamos em meio a risadas, conversas e segredos… sem maldade, sem competição, sem falsidade.
Lembro também da banana madura com farofa temperada que me juntou água na boca e me fez desconfiar que estava grávida do meu 1 amor, e até hoje quando lembro sinto aquele cheiro.
Ahhh tantas comidas que mexem com minha alma!!!! Tantas memórias que se criaram pelo meu paladar…
Mas nada mais especial do que uma maionese de ovos…
Lembro-me dos domingos em que eu chegava da missa, lá pelas 10h da manhã, e ao entrar pela sala já avistava ela de costas, lá na cozinha, na beirada da pia, mexendo o molho para temperar a maionese … Domingo não era domingo sem aquele prato especial preparado pela dona Therezinha, minha mãe.
Mulher séria, de pouca conversa e poucos amigos, mas que dedicava sua vida a cuidar dos 5 filhos.
Todo domingo era sagrado, o pai na churrasqueira, desde cedo, fazendo uma costela assada de desmanchar na boca e a mãe preparando sua maionese com molho de ovos e cheiro verde…
Engraçado, que na época não parecia algo tãaao especial, mas hoje refletindo para cumprir esse desfio solicitado na escola, vejo o importante significado dessa análise… Ao degustar uma maionese, não sinto falta do tempero especial da minha mãe, até porque não tinha nada de tão especial na salada de batatas com molho de óleo e ovos, mas sinto falta da presença dela nos “meus” domingos, dos seus conselhos, dos retalhos que me dava pra fazer roupinha de boneca, de me ensinar a colocar fio na agulha, de me ensinar bordar, de como corrigir o molho da maionese quando desandava, de falar que um dia eu entenderia… e até do seu azedume e implicâncias… Rsrs
Hoje, minha comida da alma é a maionese porque ela me remete aos domingos que nunca mais voltarão, do rádio ligado tocando músicas “de velho” que eu não gostava, do cheiro de cebolinha sendo picada, da presença daquela mulher maravilhosa que todo domingo demonstrava amor pela sua família cozinhando…
Maionese para mim tem gosto de saudade…. saudade do que eu e ela não vivemos.
Já faz bem uns 25 anos que nunca mais comi a maionese da dona There… e para ser sincera não tenho saudade da maionese dela, mas de comer “com ela”.
A gente até faz… come… gosta… Mas “aquele” sabor…ah aquele sabor não tem igual…
Sabor de amor de mãe!
Mães deveriam ser eternas!”