Sabe-se lá quantas lombadas já atravessei, percorri ou simplesmente com as quais me trombei? São tantas em tantos trajetos. Contudo, nenhuma delas me trará as recordações que somente uma me oportunizou. Nas madrugadas o silêncio imperava, o modorrento vazio de sons que vigora na calada da noite das noites de tantas cidades pequenas. Monotonia abruptamente rompida quando começavam a chegar os caminhões com suínos rumo ao abatedouro, a menos de um quilômetro dali.
Coisa angustiante de se escutar, o veículo freava antes da lombada, os bichos se alvoroçavam e gritavam. Uns ainda sonolentos, outros já despertos e inculcados na intuição que preconiza um fim em breve. E eles gritavam qual condenados que realmente eram, mas com os quais meus ouvidos não estavam dispostos a dar testemunho. Eram eles gritando e eu com vontade de gritar na ira de não poder dormir em paz. Paz, que paz? Quem mandou terminar com a vida dos bichos assim?
Depois, eu também chegaria à mesma fábrica, felizmente não na mesma plataforma de recebimento, eu estava livre de ser conduzida ao abate. Ainda escuto os gritos espalhafatosos. No fundo, parte dos gritos parecia se confundir com algazarra e apelo festivo. Uma lombada, quase em grito de carnaval, uma passarela por onde o bicho samba e depois dança.
Autoria: Renata Regis Florisbelo