No dia 11 de novembro, um significativo evento ocorreu em meio à crescente insatisfação dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) após sua derrota nas eleições. Manifestantes acampavam em frente a quartéis em todo o Brasil, clamando por uma intervenção militar. Em resposta, os três comandantes das Forças Armadas emitiram uma nota conjunta reafirmando seu “compromisso irrestrito e inabalável com o povo brasileiro” e caracterizando as manifestações como “manifestações populares”.
Dois dias antes, o então ministro da Defesa havia enviado um relatório ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), solicitando urgência na análise de um pedido para a formação de uma comissão de investigação eleitoral. Embora o documento não tenha apontado fraudes, a pasta deixou aberta a possibilidade de irregularidades nas urnas eletrônicas.
Com o desenrolar dos eventos, tornou-se evidente que os signatários da nota se reuniram com Bolsonaro para discutir possíveis estratégias legais visando reverter os resultados eleitorais. Atualmente, dois desses líderes estão enfrentando acusações no Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas a um suposto plano golpista: o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Enquanto isso, os ex-chefes do Exército e da Aeronáutica, Freire Gomes e Baptista Júnior, foram chamados como testemunhas centrais no processo.
Embora todos reconheçam a existência dessas conversas, cada um deles tenta minimizar sua gravidade. Freire Gomes, listado na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) como um potencial obstáculo ao golpe, afirmou em seu depoimento que a minuta inicial apresentada por Bolsonaro não lhe causou estranhamento, visto que era embasada em argumentos jurídicos dentro dos limites constitucionais.
Nogueira, por sua vez, se opôs à caracterização das discussões como um plano de golpe, alegando que os documentos discutidos eram meramente acadêmicos. Ele expressou preocupação com as sugestões do ex-presidente e destacou que alertou sobre as consequências graves de uma possível declaração de estado de defesa ou sítio.
A relação entre as Forças Armadas e Bolsonaro passou por transformações ao longo do governo. Inicialmente, havia uma distinção clara entre as alas militar e ideológica. No entanto, essa diferenciação desapareceu com o tempo. Os militares, que inicialmente saudaram a ascensão de Bolsonaro ao cargo presidencial e até lhe concederam honrarias do Exército em 2018, acabaram se envolvendo em uma retórica cada vez mais próxima do presidente.
A partir de 2020, o discurso de Bolsonaro passou a incluir menções frequentes às Forças Armadas como símbolo de força. Durante a pandemia, o presidente começou a usar expressões como “meu Exército”, tornando suas ameaças mais explícitas. Apesar dos conflitos internos que resultaram na demissão do então ministro da Defesa Fernando Azevedo em março de 2021 — acompanhada pela renúncia coletiva dos comandantes — as Forças Armadas nunca emitiram uma declaração clara repudiando as posturas beligerantes do presidente.
O professor João Roberto Martins Filho, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), analisa que apesar das tensões iniciais entre Bolsonaro e os militares, estes permaneceram leais ao governo até as eleições de 2022. Segundo ele, essa aliança reflete uma percepção entre os militares de que a administração era parte de seu projeto político, mesmo que não estivesse nos planos originais.
No contexto dessa dinâmica complicada, episódios controversos marcaram a atuação militar durante o governo Bolsonaro. Em um ato inédito desde a criação do Ministério da Defesa em 1999, o presidente orientou os quartéis a comemorarem o golpe militar de 1964. Após manifestações pedindo intervenção militar e diante da pressão política e judicial, Azevedo divulgou notas afirmando que as Forças Armadas buscavam manter a paz e respeitar a Constituição.
A situação culminou em um ciclo contínuo de declarações ambíguas das Forças Armadas ao longo do governo. De notas rebatendo críticas à participação política dos militares até apoio tácito às ações do governo contra o processo eleitoral, ficou claro que os militares estavam profundamente imersos nas questões políticas nacionais.
À medida que se aproximavam as eleições de 2022 e surgiam acusações de manipulação eleitoral pelo ex-presidente, o general Nogueira foi responsável por arquivar processos que poderiam levar à responsabilização de militares envolvidos em atos políticos. Além disso, houve uma crescente aproximação entre as Forças Armadas e narrativas golpistas promovidas pelos apoiadores de Bolsonaro.
Em resumo, enquanto as Forças Armadas mantinham uma postura oficial de respeito à Constituição e ao Estado democrático durante grande parte do governo Bolsonaro, sua atuação evidenciava uma conivência com discursos autoritários e radicalizados que permeavam o ambiente político brasileiro nos últimos anos.
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