Sorria: você pode estar sendo vigiado. É o que revela um levantamento alarmante divulgado nesta quarta-feira (7) pela Defensoria Pública da União (DPU) em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Candido Mendes (RJ). O relatório “Mapeando a Vigilância Biométrica” aponta que o Brasil se transformou em um campo fértil para a implementação de sistemas de reconhecimento facial, com potencial de monitorar cerca de 83 milhões de pessoas — quase 40% da população brasileira — muitas vezes sem o consentimento ou conhecimento dos cidadãos.
O estudo identificou 376 projetos ativos de reconhecimento facial no país até abril deste ano, impulsionados, segundo os pesquisadores, por eventos como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. As tecnologias foram vendidas como aliadas da segurança pública, prometendo agilidade na identificação de criminosos e localização de desaparecidos. Porém, os especialistas alertam para os riscos: falta de regulamentação, ausência de controle externo, transparência limitada e viés racial nos sistemas.
“O reconhecimento facial vem sendo amplamente incorporado por órgãos públicos no Brasil, em um processo acelerado e pouco transparente”, afirmam os autores do relatório.
Falhas e injustiças
Em outro levantamento, o CESeC mapeou 24 casos de erros cometidos por sistemas de reconhecimento facial entre 2019 e abril de 2025. Um dos mais emblemáticos ocorreu em abril de 2024, quando o personal trainer João Antônio Trindade Bastos, de 23 anos, foi retirado de uma arquibancada em Aracaju (SE), durante a final do Campeonato Sergipano, por ter sido confundido com um foragido da Justiça. Após ser abordado de forma ríspida, revistado e interrogado, Bastos foi liberado — mas ficou a marca do constrangimento.
“Fui tratado como criminoso. Não é possível que esse tipo de erro continue acontecendo com tanta frequência”, desabafou Bastos nas redes sociais. O caso repercutiu nacionalmente e levou o governo de Sergipe a suspender o uso da tecnologia pela Polícia Militar.
Segundo o relatório, mais da metade das abordagens motivadas por reconhecimento facial no Brasil resultaram em erros de identificação. A maioria dos atingidos? Pessoas negras. Um problema que também se repete em outros países. Pesquisas internacionais apontam que os sistemas de inteligência artificial aplicados ao reconhecimento facial apresentam índices de erro até 100 vezes maiores para pessoas negras, indígenas e asiáticas, em comparação com brancos.
R$ 160 milhões em investimentos sem controle
De acordo com os dados coletados, os investimentos públicos nesses sistemas já somam ao menos R$ 160 milhões, valor informado por 23 das 27 unidades federativas. Amazonas, Maranhão, Paraíba e Sergipe não responderam à pesquisa realizada entre julho e dezembro de 2024.
Apesar do alto custo, os pesquisadores denunciam que o país ainda não possui uma legislação específica para disciplinar o uso das tecnologias de vigilância digital. Em dezembro de 2024, o Senado aprovou o Projeto de Lei n.º 2338/2023, que pretende regular o uso de inteligência artificial, incluindo os sistemas biométricos. No entanto, segundo o relatório, o texto contém tantas exceções que acaba permitindo a continuidade do estado de vigilância em larga escala. Com Assessorias.