O governo federal tem enfrentado dificuldades para implementar uma nova política que visa expandir o financiamento e a oferta de serviços de saúde para a população trans. Mais de um ano se passou desde que o Ministério da Saúde apresentou sua proposta, mas até o momento não há previsão para a divulgação das portarias que oficializariam essas mudanças.
A iniciativa, já discutida em duas ocasiões com gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) e representantes do movimento LGBTQIA+, pretendia reduzir a idade mínima para a realização de cirurgias, como a mastectomia, passando de 21 para 18 anos. Além disso, estava prevista a autorização do uso de hormônios a partir dos 16 anos, atualmente restrito aos maiores de idade no SUS.
Fontes ligadas ao ministério, que pediram anonimato, indicam que o atraso na publicação se deve ao receio do governo Lula em ser alvo de críticas por parte de parlamentares conservadores. A situação lembra o episódio anterior em que o ministério teve que revogar uma nota técnica relacionada a abortos legais devido à pressão política.
Em resposta às indagações sobre o tema, o Ministério da Saúde afirmou que “o SUS oferece atendimento integral e gratuito à população trans”, incluindo hormonioterapia e cirurgias, mencionando que existem 103 serviços habilitados para esses atendimentos desde uma portaria estabelecida em 2013.
O ministro Alexandre Padilha (PT), em entrevista à Folha de S.Paulo, não se comprometeu com uma data específica para a oficialização do novo programa, denominado Paes Pop Trans (Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans). Ele apontou uma “pendência” jurídica relacionada a questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que estabelece limites etários para procedimentos transexualizadores.
Apesar das incertezas jurídicas, as diretrizes do CFM não devem impedir outras iniciativas planejadas sob o Paes Pop Trans. O governo havia projetado um investimento inicial de R$ 68 milhões para 2025, com aumento gradual desse valor para R$ 152 milhões até 2028. Os recursos seriam destinados à ampliação dos serviços de saúde bucal, aquisição de equipamentos e instalação de centros cirúrgicos especializados, além da cobertura de etapas do processo transexualizador.
No entanto, um relatório preliminar do ministério revelou que em 2023 menos de R$ 1 milhão foi alocado para processos transexualizadores no SUS. Ademais, a aprovação recente pelo CFM de uma resolução que proíbe bloqueios puberais e aumenta a idade mínima para cirurgias que possam resultar em infertilidade tem gerado preocupações adicionais e está sendo questionada no STF.
A presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides, expressou indignação pela falta de justificativas aceitáveis para o adiamento da publicação da portaria. Segundo ela, essa inação não apenas revela um descompromisso governamental, mas também fragiliza políticas públicas essenciais e coloca a população trans em situações ainda mais vulneráveis diante das crescentes ameaças institucionais e ideológicas.
Benevides enfatizou que a ausência dessa norma normativa resulta em interrupções nos serviços prestados e cria insegurança nos atendimentos, dificultando ainda mais o acesso à saúde para travestis e pessoas trans, especialmente os jovens. Ela considera que a publicação da portaria é uma resposta necessária frente à violência simbólica e concreta enfrentada pela comunidade.
A proposta da nova política foi elaborada por um grupo de trabalho criado em 2023 e aprovada por conselhos estaduais e municipais em fevereiro do ano seguinte. No entanto, mesmo após várias promessas de publicação, como relatado ao governo do estado do Mato Grosso em fevereiro passado e reiterado em apresentações subsequentes ao longo do ano, as expectativas foram frustradas.
A deputada Duda Salabert (PDT-MG) manifestou sua preocupação quanto à implementação efetiva do programa. Ela destacou que embora tenha havido entusiasmo com o lançamento do Paes Pop Trans em 2024, o mais importante—sua formalização através da publicação—continua pendente. Para Salabert, essa política é vital para garantir cuidados adequados e dignos à população trans no Brasil e representa um passo significativo rumo à equidade no acesso aos serviços de saúde pelo SUS.
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