A Justiça Federal de São Paulo emitiu uma ordem para que as dez principais empresas de apostas esportivas online que atuam no Brasil insiram alertas permanentes e visíveis em suas plataformas, informando sobre a proibição do uso de recursos provenientes de programas sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), para realizar apostas. Esta decisão foi tomada pelo juiz Gabriel Hillen Albernaz Andrade, da 13ª Vara Cível Federal, no dia 13 de junho.
A medida é parte de uma ação civil pública movida pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan (Cedeca) e pela ONG Francisco de Assis: Educação, Cidadania, Inclusão e Direitos Humanos. As organizações alegam que montantes significativos provenientes de benefícios sociais estão sendo direcionados para apostas online, comprometendo a segurança alimentar de famílias em situação vulnerável.
Em sua decisão, o juiz ressaltou que a inclusão de alertas nas plataformas das empresas sobre a ilegalidade do uso de recursos assistenciais é coerente com as legislações atuais e reforça a política de “jogo responsável”, conforme estipulado em normas como a Portaria SPA/MF 1231/2024.
O magistrado também argumentou que a determinação está em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e atua como uma medida educativa e preventiva, respeitando os direitos constitucionais. Ao justificar a inclusão dos alertas, ele destacou a possibilidade do desvio contínuo de recursos assistenciais até que o governo federal implemente soluções mais eficazes.
Dados do Banco Central indicam que, em agosto de 2024, mais de R$ 3 bilhões foram transferidos via Pix por aproximadamente 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família para casas de apostas. O valor médio por apostador girou em torno de R$ 100, representando cerca de 15% do benefício mensal médio recebido por família, que é de R$ 682. Em 70% dos casos, as apostas foram realizadas pelos responsáveis legais das famílias.
Embora tenha reconhecido a gravidade da situação, o juiz negou a maior parte dos pedidos feitos pelas entidades autoras. Ele rejeitou solicitações como o bloqueio automático do acesso às plataformas por usuários do Cadastro Único (CadÚnico) e a suspensão das campanhas publicitárias direcionadas ao público de baixa renda. O juiz considerou essas medidas excessivamente paternalistas e que poderiam comprometer a autonomia dos indivíduos em situação de vulnerabilidade.
“A intenção é proteger o mínimo existencial dessas pessoas sem sacrificar sua liberdade de escolha”, afirmou o magistrado. Ele argumentou ainda que restringir judicialmente o acesso de certos grupos à publicidade ou à gestão de seus próprios recursos fere a dignidade humana, conforme estabelecido pela Constituição.
Além disso, o juiz apontou que algumas das propostas já estão sendo atendidas por decisões anteriores do STF, que nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7721 e 7723 determinou que a União impeça a transferência de recursos do Bolsa Família e do BPC para contas vinculadas a empresas de apostas.
A ação judicial envolve não apenas a União Federal e o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), mas também as plataformas online Bet365, Betano, Betfair, Sportingbet, EstrelaBet, KTO, Superbet, VBET, Novibet e Betnacional. As entidades autoras acusam essas empresas de não tomarem providências adequadas para impedir o uso indevido dos recursos provenientes das famílias cadastradas no CadÚnico.
Conforme um estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mencionado na ação judicial, a transferência financeira para apostas online resultou em um impacto negativo estimado em R$ 103 bilhões no varejo brasileiro em 2024, ocasionando também a perda de cerca de 420 mil empregos e uma diminuição na arrecadação tributária em R$ 18,5 bilhões.
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