O trânsito parado na BR-376 às 18h, o caminhão que demora três horas a mais para chegar ao porto, o voo cancelado sem alternativa – essas são faces cotidianas de um problema estrutural que preocupa Ponta Grossa. Enquanto a cidade busca se consolidar como polo logístico e industrial, os desafios em rodovias, ferrovias e no aeroporto revelam uma infraestrutura que não acompanhou seu crescimento. O Masterplan 2043 chega em momento crucial, quando os limites do sistema atual ficam cada vez mais evidentes.
A série de reportagens do Portal BnT sobre o Masterplan e futuro de Ponta Grossa mostra como a infraestrutura, antes motivo de orgulho e diferencial para a cidade – que se vangloriava do título de “maior entroncamento rodoferroviário do país” – hoje causa preocupação para os próximos anos.
Rodovias: o caminho árduo da produção
A BR-376, principal corredor de exportação da cidade, vive um paradoxo: quanto mais a economia cresce, mais congestionada fica. Com média de 15 acidentes mensais envolvendo caminhões, o trecho próximo à cidade se tornou um gargalo logístico. Os impactos são concretos: empresas pagam até 20% a mais no frete rodoviário comparado a outras regiões do Paraná, e 30% dos industriais relatam atrasos frequentes na entrega de mercadorias.
Ricardo Schechtel, da Câmara Técnica de Infraestrutura e Transportes do CDEPG, reforça: “Quando há aumento de tráfego, há um risco maior de acidentes, e o que ocorre em Ponta Grossa é a ocorrência de muitos acidentes nas partes das rodovias que cortam a área urbana. Isso acontece porque há um conflito entre tráfego pesado e veículos leves, em uma rodovia que acaba se tornando uma avenida usada como via de deslocamento. Para resolver, precisamos de medidas como contenção de velocidade, mas também de uma infraestrutura que comporte essa demanda de diferentes veículos.”
A situação na PR-151 não é melhor. O trecho entre Carambeí, importante rota do agronegócio, já apresenta sinais de esgotamento, e motoristas relatam horas perdidas no transporte de grãos, carnes e laticínios. Estudos mostram que cada hora parada em congestionamentos custa R$ 2,8 milhões anuais às empresas locais – valor que poderia ser investido em expansão e geração de empregos.

Ferrovias: potencial desperdiçado
Enquanto as rodovias sofrem com excesso, as ferrovias vivem o oposto: apenas 5% da carga local utiliza esse modal, mesmo com a linha São Paulo-Paranaguá passando pela cidade. O terminal ferroviário, com estrutura defasada, não consegue operar contêineres modernos, obrigando empresas a manterem custosos esquemas de transporte rodoviário até a estação.
Schechtel explica o cenário nacional que afeta Ponta Grossa: “O transporte ferroviário, infelizmente, no Brasil tem um cenário de poucas vias, com cada vez mais vias férreas inativas. O que seria interessante são novas ferrovias e mais modernas, pois hoje há um gargalo nas que estão operando, levando um tempo maior para a entrega da carga. O trem hoje perde atratividade e competitividade no sistema. Como não há trens eficientes no país, a única opção para as empresas acaba sendo o modal rodoviário, e cada vez mais temos uma produção crescente que exige mais caminhões nas estradas. Porém, a infraestrutura não acompanha.”
O paradoxo é que o frete ferroviário custa R$ 0,12 por tonelada/km, contra R$ 0,30 do rodoviário. Se 20% das cargas migrassem para os trilhos, a economia seria suficiente para financiar a reforma de 10 km de rodovias por ano. O plano prevê justamente isso: um ramal industrial ligando o Distrito Industrial à ferrovia principal e um terminal multimodal que poderia aumentar em 30% o uso desse modal em cinco anos.

Aeroporto: crise anunciada
A recente suspensão dos voos da Azul no Aeroporto Sant’Ana não surpreende quem acompanha os dados levantados pelo Masterplan. Com apenas um voo diário para Campinas e pista curta demais para aviões maiores, o terminal já operava no limite. Enquanto cidades de porte similar investem em conexões regionais, Ponta Grossa vê oportunidades escorrerem por entre os dedos – literalmente.
Schechtel analisa: “Apesar da Azul ter cancelado os voos, existe uma possibilidade de, com um estudo minucioso, o aeroporto voltar a receber voos. Acredito que o Aeroporto Sant’Ana, caso seja visto como aeroporto dos Campos Gerais, pode permanecer. Mas precisamos entender que Ponta Grossa está muito perto do Aeroporto Afonso Pena. É muito fácil as pessoas irem de Ponta Grossa a Curitiba para pegar voos com horários e destinos mais atrativos. A demanda aqui se divide entre os dois aeroportos. Nos últimos anos, a demanda por voos aumentou, mas não houve como concorrer com um aeroporto maior, que está a apenas uma hora e meia de distância. Por isso, é preciso um estudo detalhado sobre a demanda da população: quais horários, destinos e tempo de deslocamento as pessoas querem. Sem isso, mesmo com melhorias na estrutura, continuará havendo essa divisão de demanda.”
A Azul operava apenas uma rota diária, com ocupação média de 55% – abaixo do mínimo necessário para sustentar a operação. Três fatores-chave explicam o fracasso:
- Infraestrutura limitada: A pista de 1.800 metros impossibilita a operação de aeronaves maiores.
- Falta de conectividade: Sem rotas para outros polos econômicos, o aeroporto não se integrava a redes maiores.
- Custos operacionais altos: Taxas aeroportuárias e falta de subsídios tornavam a rota pouco atrativa.
O impacto econômico é palpável: empresários agora dependem do aeroporto de Curitiba, gastando em média R$ 1.200 a mais por viagem em deslocamento terrestre e hospedagem.

Os desafios para virar o jogo
Transformar o Aeroporto Sant’Ana em um verdadeiro ativo logístico exigirá superar obstáculos críticos. O mais urgente é a ampliação da pista, que demandará R$ 80 milhões para atingir 2.200 metros – necessários para voos cargueiros e jatos médios. Paralelamente, estratégias como subsídios temporários e redução de tarifas poderiam atrair companhias, seguindo exemplos como o de Maringá.
Schechtel reforça: “É preciso um estudo muito bem detalhado sobre a demanda da população, porque se não houver esse cuidado, independentemente da estrutura do aeroporto, continuará havendo divisão de demanda com Curitiba.”
Além disso, um terminal de cargas adequado (estimado em R$ 5 milhões) e melhorias na conexão com a BR-376 são essenciais para transformar o Sant’Ana em um hub logístico competitivo.
O caminho à frente
As soluções mapeadas pelo Masterplan 2043 são claras: duplicação de rodovias, modernização ferroviária e ampliação do aeroporto. O desafio será viabilizar esses projetos em um cenário de recursos limitados. Parcerias público-privadas aparecem como alternativa, mas exigirão planejamento cuidadoso.
Enquanto isso, a população sente os efeitos da infraestrutura deficitária – seja no preço dos produtos, no escoamento da produção ou na falta de opções aéreas. O plano estratégico oferece um mapa para mudar essa realidade. Resta agora transformá-lo em ação antes que os gargalos travem de vez o crescimento de Ponta Grossa.
Leia ainda: Ponta Grossa é apresentada como referência no 1º Fórum Cidade Turismo do Paraná
Masterplan 2043: Portal BnT amplia discussão sobre o futuro de Ponta Grossa em podcast semanal
O portal BnT está aprofundando o debate sobre o Masterplan 2043, o plano estratégico que definirá os rumos de Ponta Grossa nas próximas décadas, com uma série multiplataforma que inclui um podcast exclusivo. Toda quarta-feira, especialistas se reúnem no programa “Ponta Grossa Masterplan 2043” para analisar dados, propostas e desafios apresentados no documento elaborado pelo CDEPG.
Além do podcast, o projeto oferece reportagens detalhadas, infográficos e uma newsletter especializada, garantindo que a população tenha acesso a informações qualificadas em diferentes formatos. Todo o conteúdo é amplamente divulgado nas redes sociais e demais canais do BnT, incentivando a participação da comunidade no debate sobre o futuro da cidade.
Cada episódio aborda um novo aspecto do Masterplan 2043, com base em dados oficiais, entrevistas exclusivas e análises técnicas, proporcionando aos ouvintes e leitores uma visão abrangente das oportunidades e desafios que Ponta Grossa enfrentará.
O projeto conta com o apoio de importantes instituições locais, como:
Com essa iniciativa, o BnT reforça seu compromisso com o jornalismo de qualidade e com a construção coletiva de uma cidade mais preparada para o futuro.