Uma simples miada. Era o que bastava para enfurecer os moradores, que saíam raivosos atrás do atrevido emissor do som. A gracinha tinha tom quase infantil, posto que a família foi apelidada de “gatunos” desde que descobriram que eram eles que roubavam, das redes das outras famílias, os peixes que caíam nas armadilhas.
Para os vizinhos, era justo que os gatunos do peixe alheio aguentassem os mios. Quase sempre, as miadas passavam sem que os gatunos identificassem o autor, exceto quando um moço miou à noite e teve reconhecido o sapato de duas cores, que só ele usava. Era filho do inspetor de quarteirão, nomeado para resolver querelas entre vizinhos. Muitas conversas para contornar a situação, e o moço passou por brincalhão, sem escapar da bronca do pai.
Há poucos dias, avistei um cachorrinho correndo. Levava na boca uma tripa de linguicinhas já assada. Alegria em peraltice furtiva. Lembrei-me dos gatos-gatunos afanando os peixes da rede. Às vezes, o gato-gatuno pode ser cachorro ou gente.
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