Uma investigação recente revelou que pelo menos 224 servidores do Congresso Nacional continuam ocupando cargos considerados obsoletos, como operadores de máquinas e agentes de encadernação — funções que, na prática, já não existem mais. Mesmo assim, esses profissionais seguem recebendo salários que podem ultrapassar os R$ 32 mil, valor semelhante ao de um auditor da Receita Federal.
A maioria desses servidores (92%) ingressou no serviço público há mais de 25 anos, quando os concursos ofereciam estabilidade e os cargos tinham funções ativas. Hoje, grande parte dessas tarefas foi substituída por trabalhadores terceirizados ou temporários, enquanto os concursados permanecem nos quadros das casas legislativas.
Apesar de estarem oficialmente em processo de extinção, esses cargos continuam abrigando servidores com estabilidade garantida. Um exemplo é a carreira de operador de máquinas, extinta desde 2004, mas que ainda conta com 83 profissionais ativos, alguns com rendimentos mensais de até R$ 23 mil, segundo dados do Portal da Transparência da Câmara e do Senado.
A Câmara dos Deputados afirma que esses funcionários podem ser realocados para outras áreas administrativas, exercendo atividades mais genéricas, como gestão de pessoas e elaboração de relatórios. Em 2023, uma resolução unificou atribuições comuns a todos os cargos em extinção, na tentativa de dar uma nova função a esses servidores.
Já no Senado, sete carreiras estão sendo gradualmente encerradas, entre elas as de técnico de edificações e auxiliar de processos gráficos. Mesmo com atribuições consideradas auxiliares, os salários seguem altos: até R$ 25 mil. Cargos ligados à saúde, como técnico em radiologia e nutricionista, também estão na lista e possuem média salarial de R$ 24 mil.
Para especialistas, como o professor Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral, a manutenção dessas funções representa um descompasso com a realidade atual: “São cargos criados para demandas que já não existem. Funções como radiologia ou nutrição podem ser terceirizadas, sem necessidade de vínculo permanente”.
Esse fenômeno se repete no Executivo, onde cerca de 10 mil servidores ainda ocupam cargos considerados obsoletos, como datilógrafos e operadores de telex. Mesmo sem utilidade prática, muitos recebem altos salários e continuam desfrutando de benefícios garantidos.
A professora Vera Monteiro, da FGV, chama atenção para outro problema: a disparidade de funções dentro da mesma faixa salarial. Há, por exemplo, assistentes de plenário em cargos extintos que ganham mais de R$ 32 mil, superando até mesmo o salário de policiais legislativos ou técnicos administrativos.
Segundo especialistas, os altos salários no Legislativo são reflexo da proximidade com parlamentares e da importância estratégica desses servidores na engrenagem política, o que permite a negociação de estruturas salariais mais robustas — algo também comum no Judiciário e nos escalões superiores do Executivo.
Para evitar a perpetuação de cargos obsoletos no serviço público, Monteiro sugere a adoção de vínculos mais flexíveis, como o regime celetista. “A administração pública é excessivamente rígida”, diz ela. “Isso gera altos custos e torna muito difícil a dispensa de profissionais cujas funções já não fazem sentido no cenário atual.”
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